19.2.16

Sobre a obra "Sensações Contrárias", criada por Amadeu Alban, Jorge Alencar e Matheus Rocha

Em um casarão do período coronelista, na cidade baiana de Cruz das Almas, os corpos de uma possível família parecem oscilar, desmanchando-se numa luta irrefutável contra as problemáticas cotidianas, contra a gravidade e enfrentando os possíveis fantasmas do passado. A trama transita por cada cômodo deste casarão, levando o espectador a deparar-se com personagens diversos - uma mulher amargurada fumando e bebendo; uma menina fantasiada passeando de patins pelos corredores; uma cadela debilitada - que por vezes se assimilam ou se sobrepõe, mas, principalmente, que passam por um processo semelhante de desconstrução e defluição de seus eixos sociais (quaisquer que sejam), experimentando a idéia de sensações contrárias.

A contrariedade dessa experiência encontra-se justamente na trepidação dos corpos, nas angústias das personagens ao sair do eixo que as mantém firme, numa espécie de explosão, de rebelia contra as imposições do cotidiano. Neste caso a conformidade estaria no manter-se no eixo social imposto, aceitando e convivendo com as máscaras do cotidiano? Então, viver sem tais máscaras seria viver de maneira contrária?

O questionamento é introduzido utilizando-se da videodança como meio, onde os autores convidam o espectador à uma experiência que transita pelas duas linguagens - a dança e o audiovisual - que possibilitam uma maior imersão no universo proposto. Ao serem colocadas juntas, essas duas linguagens artísticas se entrelaçam e permitem que a própria imagem dance com os intérpretes.

A expressão dos corpos que dançam explicitam não exatamente uma coreografia, mas uma indicação para que os intérpretes explorem livremente as movimentações que lhe cabem para este sentimento oscilante e desconstrutivo. Observa-se que quase todos os personagens passam por um processo de explosão que nasce e vai crescendo, exaltando a fragilidade do ser humano em sua relação com as posições sociais que lhes são impostas no cotidiano. Essa relação fica clara quando é introduzido um personagem homem branco e idoso, que em determinado momento entende-se que se trata de antigo coronel. Trata-se do único corpo que não trepida, e que, ao dançar, faz uma perfeita pirueta de balé, insinuando o poder do corpo preponderante sobre os outros corpos que escorregam.

Dessa forma, o audiovisual valoriza a expressividade dos corpos ao permitir enquadramentos, planos, pontos de vista e movimentações de câmera específicos de acordo com a intenção de cada cena. Ao escolher levar a câmera na mão em todo o processo, o operador permite ao espectador uma proximidade maior com a trama, por tratar-se de uma imagem vascilante, humanizada, e tão errante quanto o ser humano ou o próprio espectador. A imagem que inicialmente está fixa nas ações e gestualidades cotidianas dos intérpretes, aos poucos começa a deslizar junto dos corpos e esse movimento vai se intensificando. Por vezes parece se tratar de uma câmera-intérprete, que participa ativamente das ações. Em outros momentos, temos a sensação de que se trata de uma espécie de câmera-fantasma, assombrando os cômodos do casarão. Aqui fica clara a participação da câmera com o contexto em que se encontra, como uma câmera dançante.

Para além do visual, ao optar por explicitar o áudio, sem o acréscimo de trilha musical, onde cada som é direto e amplificado conforme as ações das cenas, o autor propõe uma experiência quase documental. Assim, a plástica sonora da obra traz uma percepção tátil, permitindo ainda mais uma aproximação com o espectador.

Tais proposições, em uma Bahia que passou (passa) por diversos e densos processos de colonização, parecem ser pontuais ao trazerem à tona a idéia de um colonialismo fantasma que permanece transitando por aí, assombrando os indivíduos e a sociedade com sua supremacia. Uma supremacia que determina o comportamento dos indivíduos, delimitando uma espécie de "normatividade". No entanto, é nessa "normatividade" que os indivíduos perdem seu eixo. Observa-se, então, que as sensações contrárias apresentadas provavelmente sejam justamente essa "normatividade" imposta, e que a expressividade do corpo deveria ser liberta.

20.8.15

"Anamorfoses Cronotópicas" ou "A quarta dimensão da Imagem"

MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas e Pós-Cinemas. SP, Papirus, 2002



Anamorfose (da imagem) > proposta de perversão com os cânones renascentistas sobre a perspectiva, onde os elementos da imagem terão duas perspectivas diferentes, o que causa uma espécie de desarranjo visual: a ideia de movimento na imagem. Também pode ser entendido pela deformidade nas imagens assim como as salas de espelho de parques.

Dinamismo de um cão na coleira, pintura, por Giacomo Balla

Tension, serie fotográfica, por Nir Arieli


Baltrusaitis > Poética da absorção; ilusão ótica; filosofia da falsificação da realidade.
Cronotopo > Ideia de inscrições do tempo na imagem; O tempo é entendido aqui como a quarta dimensão do espaço, fazendo referência à teoria da relatividade: A materialização do tempo no espaço.
"Em termos estritamente semióticos, o tempo surge então coo um elemento transformador, capaz de abalar a própria estrutura, da matéria, de comprimí-la, dilatá-la, multiplicá-la, torcê-la, até o limite da transfiguração." (p. 16).
Neste caso, a dimensão da imagem fotográfica está atrelada à "distorção" da figura registrada no tempo. Arlindo Machado entende a imagem como ocupação do espaço e o tempo como força geradora da anamorfose.
"Materializado no espaço, o tempo se mostra como um efeito de superposição ou de percurso dos corpos no espaço, "onde os momentos sucessivos se tornam co-presentes em única percepção, que faz desses momentos sucessivos uma paisagem de acontecimentos."(VIRÍLIO, 1990, p. 81)" (p.60).
Para o autor, no Cinema, mesmo com as intervenções dobre o tempo nas imagens (rebobinar; aumento ou diminuição da velocidade), a imagem em si não é afetada, não gerando a anamorfose.


A anotação do tempo

Na fotografia, mesmo que se fale de uma "suspensão do tempo", na realidade é justamente a inscrição do tempo que possui um "poder superlativamente desestabilizador". O cronotopo fotográfico, sobre a elasticidade de um instante, tem o poder de "fixar um intervalo". > "(...) a suspensão absoluta do tempo representa um ideal impossível a ser atingido." (p.62)
> dos mínimos (e infinitos) intervalos de tempo 
> a ideia de evolução dos objetos no tempo
Em "Automóvel Delage", no Grande Prêmio do Automóvel Clube da França (1912), Henri-Lartigue capta o exato momento da evolução do movimento gerado pela dimensão temporal.

Automóvel Delage, fotografia, por Jacques Henri-Lartigue

Arlindo Machado coloca que a inserção do tempo contra o modelo realista (ou renascentista) se converte num instrumento gerador de alucinações.


Creatures, série fotográfica, por Frederic Fontenoy


Tina e Smile, estudo fotográfico de anamorfose de tempo e ponto de vista, por Andrew Davidhazy

Estes trabalhos "(...) são a solução fotográfica para o problema da representação da dimensão temporal (da quarta dimensão einsteniana) da imagem." (p.64).

Elipse do tempo > efeito cinematográfico: "animação" das representações da temporalidade na imagem em movimento.

Water and Power, animação, por Pat O'Naill

Raccord do tempo > efeito cronotopo 

Gregory and Shinro e Mother, estudo fotográfico em montagem de imagens de mesmo objeto em momentos sequenciais: ideia de fotografia cubista; por David Hockney


A aventura da cronofotografia


 Cronofotografia (1884), estudo de imagem em movimento por Étienne-Jules Marey.


Cronofotografia > dispositivo que permitia superpor as imagens numa única placa fotográfica. "Gráfico do deslocamento do corpo no espaço-tempo" (p.67). O "Nu descendo escada" de Duchamp, bem como o futurismo italiano, são inspirados em Marey e solucionam o problema sobre o limite do cubismo na relação com o tempo. 

L'éventail (1928), fotodinâmica, por Arturo Bragaglia

Fotodinâmica > Da fluidificação das formas pela cinetização e atravessamento na dimensão do tempo. A potência da iconicidade do tempo. A relação com a teoria einsteniana da relatividade. Uma tentativa banal de tentar corrigir as problemáticas do método de Marey.

A quarta dimensão

Atualmente, na televisão e no cinema, a cronofotografia é muito produzida. Isso pode ser visto, por exemplo, com relação ao efeito feedback. os "defeitos" da imagem se tornam anaformidades cronotópicas.
A câmera eletrônica e os feixes das ondas de luz gravadas em suporte eletromagnético; é como um mosaico pictórico: pixel (ponto elementar de informação de luz. O quadro videográfico faz uma varredura completa da tela no tempo. É uma "(...) síntese temporal de um conjunto de formas em mutação." (p.72).

Escrita do movimento: para se perceber tais anamorfoses cronotópicas seria necessário diminuir a velocidade da percepção visual do olho humano.

15.11.14

Lendo as Imagens do Cinema

JULLIER, Laurent & MARIE, Michel. Lendo as Imagens do Cinema.

Dialogando acerca da linguagem cinematográfica, os autores trazem a perspectiva de que trata-se de ferramentas intrínsecas no audiovisual que proporcionam uma comunicação melhor com o espectador, facilitando sua compreensão através dos elementos constituintes nas imagens. Ou seja, cada detalhe na imagem e no som do audiovisual está inserido de acordo com o que o autor quer comunicar. Cada cena deve ser pensada antes da gravação, no momento em que se decidem os planos que melhor se enquadram na proposta, se a câmera se movimenta ou se manten-se fixa, se as paletas de cores dialogam com o idéia que se quer passar.
A partir dessa perspectiva, os autores analisam uma série de produções audiovisuais, observando as diversas linhas de estilo, pensando primeiramente no filme como um todo, e depois nas sequências das cenas, desde as mais envolventes até as mais "vazias".

As ferramentas de análise fílmica

Ponto de vista. Apresentado pela localização da câmera, de onde o câmera se posicionará, se este será observador ativo ou passivo na cena. "Nenhum ponto de vista é neutro. Todas as posições da câmera conduzem uma série de conotações." (p. 22).
Assim, o condutor da câmera poderá decidir por uma imagem subjetiva como:

  • 'Olhar com', como se estivesse ao lado da personagem em cena;
  • 'Olhar no lugar de', pensando na visão da câmera como se fosse a visão do próprio personagem;
  • 'Campo e contra-campo', sendo a troca de plano sobre o dialogo dos personagens, alternando;
  • Os 'planos' são essenciais, pois delimitam no quadro o assunto a ser tratado. O 'plano geral' indica o sujeito em seu ambiente. O 'plano medio' mostra o sujeito em sua unidade, ou até um grupo de pessoas próximas entre si, denota o estado de espírito dos sujeitos em cena. O 'close-up' ou 'plano fechado' isola o detalhe de um todo, dando sentido específico à cena, além de certa intimidade.
Plano Geral

Plano Médio

Plano Fechado
  • 'Centralizar' o sujeito na imagem sugere uma ideia de um personagem equilibrado, centrado e/ou egocêntrico;
  • 'Descentralizar' ou dispor o sujeito ao longo dos eixos que dividem o quadro em três (3/3) pode sugerir uma série de conotações. As mais comumente usadas são a clássica e a maneirista.
Clássica

Maneirista
  • 'Câmera alta' ou 'Plongeé', denota a inferioridade do sujeito em cena, enquanto a 'Câmera baixa' ou 'Contra-plongeé' sugere a superioridade deste sujeito;
  • A 'frontalidade' do enquadramento pode ser trabalhada a fim de se ganhar muito mais vida quando exploradas as mais variadas angulações da câmera; neste caso, entende-se a câmera como o sujeito que assiste (olhar-câmera);
  • Pode-se trabalhar o 'paralelismo' do quadro, onde é possível dispôr de um bom equilíbrio, mas também é possível trabalhar com o 'desenquadramento', sugerindo o desequilíbrio ou embriaguez;
  • Quanto ao 'ponto de escuta', tanto pode acompanhar o ponto de vista, seguindo o modelo do corpo humano (som segue a visão), ou pode se desassociá-los dependendo da proposta.

Distância Focal e Profundidade de Campo. 
Este primeiro dita o enquadramento  e varia a partir da utilização das lentes de maior ou menor tamanho.
  • DF curta - Objetiva Grande-Angular (menor que 50mm);
  • DF média - Objetiva Padrão (50mm);
  • DF longa - Teleobjetiva.
Já a profundidade de campo dita a nitidez de acordo com o eixo da objetiva: quanto menor a distância focal, maior a profundidade de campo; quanto mais distante, mais bidimensional fica a imagem, como uma pintura. O ajuste da profundidade regula a imagem dirigindo a atenção para um ponto específico.
A profundidade de campo e o foco funcionam como linguagem estética e narrativa: 

  • + PC e + nitidez nos planos faz a cena ficar toda visivel, podendo serem contadas varias histórias na mesma imagem;

  • + PC e - Foco em um ou em outro plano, volta a atenção para a figura que está nítida na imagem;

  • Podem ser trabalhados também o 'foco duplo' (que necessita de uma lente específica), e o 'desfoque' que brinca com a subjetividade da imagem.
Os Movimentos da Câmera. Neste ponto, tratando-se de imagem em movimento, as várias possibilidades de movimento podem auxiliar e fortalecer na comunicação visual.
O movimento 'Panorâmico' funciona como a ação de virar a cabeça, enquanto o 'Travelling' seria o deslocamento de todo o corpo. Ao aproximar a imagem sobre um elemento específico pode ser trabalhado com o 'Travelling', mas também com o 'Zoom' da lente, no entanto existem diferenças ópticas e de distância focal, e cada uma dá uma textura para a imagem.
Outros elementos de movimento vão surgindo na história do fazer cinematográfico, como a 'fluidez' conseguida com os mecanismos que os irmãos Lumiére  utilizam ao colocar a câmera em um trem, que evoluem através do desenvolvimento de meios técnicos. A 'manejabilidade' produz efeitos de maior proximidade com o olhar humano, e é conseguida com câmeras mais leves, ao colocar a camera no ombro, ou através de movimentos biomecânicos.

4.10.14

Identidade Cultural na Pós-Modernidade

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro, DP&A, 1992.


Estruturas tradicionais de sociedades (paisagens culturais de classe, gênero, raça, etnia e nacionalidade) estão cada vez mais fragmentadas, deslocando-se para as mais diversas localidades sociais. Esse deslocamento tem causado o que Hall chama de "crise de identidade". Tal crise está associada à uma transformação da modernidade: relação de um indivíduo "pós" ao seu tempo moderno, e ao mesmo tempo fixo no tradicionalismo.

Hall cita 3 concepções de identidade cultural:
  1. O sujeito do Iluminismo, individualista, tendo o "eu" como essência de tudo, dotado de razão, consciência e poder de ação;
  2. O sujeito sociológico: a força do "eu real", mas principalmente de sua interação com a sociedade, o que contribui para o favorecimento de seus ideais. Funciona também como um formador de posições sociais, ligando o "mundo interior" ao exterior, estabilizando, dessa forma, uma significação social e o enrijecimento da cultura.
  3. O sujeito pós-moderno: a partir das diversas posições sociais que o sujeito deve se colocar e principalmente devido a facilidade de acesso à culturas globais através das tecnologias digitais, essa multiplicidade de "ser" internaliza no indivíduo, de maneira à causar contradições internas com tantas identificações. Isso faz com que o sujeito se desloque entre as diversas camadas sociais, cada vez mais fragmentadas.
Na modernidade tardia, o caráter da mudança está na dissolução dos grupos sociais, da união por longos ou curtos períodos de tempo, e por constantes alterações de personificação. As sociedades tradicionais estão atreladas à símbolos e práticas repetitivas, sempre ligando o presente ao passado. Já as sociedades contemporâneas, são questionadoras e reflexivas ao caráter tradicionalista.

Na relação de alcance mundial da comunicação e na formação de instituições modernas, se desloca o sentido de centralização para dispersão em áreas afastadas do conglomerado (entendidas como "indefinidas do espaço-tempo"). Assim, ocorrem transformações de extensão global e, concomitantemente, na identidade do sujeito. Deslocamento de de centro para centros. Rupturas de condições precedentes.

No entanto, são diferentes elementos de identidade que se articulam entre si sem engessar a estrutura de identidade aberta. Tal carácter fornece possibilidades de novas identidades de tipos diferentes de articulação.

25.9.14

O Corpo Fala

WEIL, Pierre; TOMPAKOW, Roland. O CORPO FALA: A linguagem silenciosa da comunicação não-verbal. Petrópolis, Vozes, 2007.

"Pela linguagem do corpo, você diz muitas coisas aos outros. E eles têm muitas coisas a dizer para você. Também nosso corpo é antes de tudo um centro de informações para nós mesmo."


Desde os primórdios da existência do ser humano na terra, a utilização de símbolos enquanto "mensagens sintéticas de significado convencional" surge como ferramenta para auxiliar na comunicação e facilitar a compreensão do mundo. À exemplo, podemos comparar o sinal vermelho do farol com os primeiros contatos com o fogo se alastrando pela mata seca ou  com o sangue escorrendo de uma ferida onde o homem pré-histórico já entende que a cor vermelha funciona como um sinal de atenção.

Assim, Weil se apropria desses símbolos ao comparar o corpo humano à esfinge assíria conhecida como Kerub. A esfinge é dividida em quatro partes: corpo de boi, tórax de leão, asas de águia e cabeça de homem. Da mesma forma, esta composição possui correspondências psicológicas no ser humano, como mostra o esquema abaixo:


Em cada parte correspondente ao psicológico, o corpo se comunica através de ações, que podem ser sutis, com duração curta de tempo, ou podem ter certa expansividade.

Para perceber quando o Boi é colocado em evidência, observa-se o avanço da região abdominal naquele que quer se alimentar ou o rebolado exagerado da mulher que quer se exibir para o rapaz que, ao apoiar o polegar no cinto, aponta em direção às genitais, demonstrando sem perceber seu interesse. Todos estes exemplos demonstram o estado de  vida instintiva, através da linguagem corporal.

Já no Leão, que atua na esfera do emocional, o caráter psicológico se evidencia no tórax, onde está o coração (centro da emoção), também entendido como centro do "eu". Percebemos, então, que pessoas orgulhosas de si, egocêntricas, até narcisistas, se impõem através da preponderância do tórax. E em pessoas reprimidas, com seu "eu" diminuído, sentindo-se dominadas em determinados momentos, o tórax se retrai, encolhendo-se o máximo que pode, numa tentativa de se esconder. Nota-se em pessoas equilibradas, bem entendidas, uma postura mediana e normal.


Finalmente a águia, representada pela cabeça, expressa o estado mental. Neste, se a pessoa apresentar uma cabeça bem erguida, demonstra hipertrofia de controle mental, como reafirmando a preponderância do "eu" antes citado. Do contrário, uma cabeça baixa demonstra que o indivíduo se deixa controlar por estímulos externos. A pessoa que consegue controlar sua mente tem uma postura mediana como no caso do Leão. Entretanto, a Águia é sempre mais sincera em suas ações. Para perceber o estado mental de alguém, basta observar a atitude da cabeça, principalmente a face, pois este explicita a aprovação ou rejeição aos instintos e emoções do corpo. Neste caso, entende-se que na prática o corpo responde de acordo com os estímulos psicológicos, que de maneira geral tais ações podem ter concordância ou discordância com relação ao estado mental do corpo.

18.9.14

As Técnicas do Corpo

MAUSS, Marcel. As técnicas do corpo. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo; Cosac Naify; 2003.


"Toda sociedade impõe ao indivíduo um uso rigoroso do seu corpo. É por meio da educação, das necessidades e das atividades corporais que a estrutura social impõe sua marca sobre os indivíduos." 

Mauss entende o corpo como uma ferramenta fundamental para a construção simbólica e cultural. As características fisiológicas do corpo diferem apenas nas diferentes culturas. No entanto, entre os indivíduos de uma mesma cultura, essas características são muito parecidas, impostos pela estrutura social. Os estereótipos são modelados nos comportamentos, de acordo com o local e tempo da sociedade. De acordo com o autor, aspectos fisiológicos são "critérios sancionados pela aprovação e desaprovação coletiva, mais do que função de particularidades individuais." Aqui, o corpo é entendido como um produto de suas técnicas e de suas representações.

Técnicas corporais

Para Mauss, as técnicas corporais referem-se à "atos tradicionais e eficazes que combinam elementos biológicos, psicológicos e socioculturais, sem que os principais agentes e objetos tenham sempre consciência disso". Ele, então, sintetiza essa compreensão dos estudos em técnicas do corpo como antropologia do gesto: estudos da relação com os hábitos corporais, das técnicas e condutas tradicionalmente apreendidas e transmitidas. Trata-se, enfim, de um sistema simbólico de comunicação e pensamento atrelado ao coletivo.
De modo geral, o corpo é tido como o principal objeto e meio técnico de contato do homem com o mundo. E suas técnicas são um conjunto de atitudes permitidas ou não, naturais ou não. "Toda técnica propriamente dita tem sua forma". No campo psicológico, o indivíduo apreende tais técnicas de forma generalizada, associando todo ato social à técnica corporal. "Ato técnico, ato físico e ato magico-religioso confundem-se para o agente".